Sobre o amor pelo
alimento ou o amor que alimenta

Lídia e Petrúcio

Uma das primeiras coisas que Lídia conta é que é pedagoga por formação e culinarista por paixão. Nossa conversa vai acontecendo em intervalos compassados, entre o atendimento de levas e levas de clientes. A cada momento várias pessoas se juntam em torno de sua barraca e lá vai ela explicar temperos, combinações, opções veganas, tortas, hambúrgueres e os pães.

É incansável. Parece uma pequena abelha. Bate asas decidida, coordena, fala firme. Quando termina de cuidar e atender a todos, voa de volta a se sentar comigo. Agora vai trabalhar aqui, vai dar atenção à nossa conversa, se empenhar em me contar a sua história. Até o próximo enxame de outros clientes procurando o alimento que ela prepara.

Lídia e seu marido, Petrúcio, são dos que estão desde o comecinho da Ecofeira, há sete anos. Parou apenas para preparar dois casamentos, de duas filhas, que aconteceram num intervalo de tempo pequeno. Depois voltou e não deixou mais de participar, aonde quer que a feira vá.

A paixão pela culinária a que ela se refere me parece um amor intenso e muito disciplinado. Disciplina de guardar a sexta-feira a partir das 18 horas até o sábado também às 18 e depois disso trabalhar duro
para preparar os produtos para a feira do domingo. Disciplina de acordar às cinco da manhã para arrematar os últimos detalhes, encher o carro e seguir para a feira. Disciplina de não faltar nunca.

Lídia diz que a vida do expositor é árdua, mas que dá retorno desde que você seja confiável para os seus
clientes, esteja sempre ali para atendê-los, faça-os saber que podem contar com sua comida bem preparada ou o pão fresquinho sempre, chova ou faça sol.

A culinária é também como que uma prática espiritual para ela. Isso vem da religião adventista. O corpo é visto lá como um templo para o espírito e, por conta disso, precisa ser muito bem cuidado. Nele entra apenas o que é sagrado, alimento puro, despoluído, não tóxico, o que faz bem. Uma reverência e um grande respeito a esta dádiva da vida.

Enquanto ela atende mais pessoas, revejo algumas anotações. Aprender também é uma constante na fala dessa paranaense de Floriano.

Lá na pequena cidade da infância, ela aprendeu a cozinhar com a mãe, a mãe que dedicou a vida a cuidar da família e a preparar as filhas para se casarem. “Cada um dá o que tem”, Lídia comenta ao se lembrar disso. “Todo domingo íamos para a cozinha. Tinha que aprender a  temperar, a limpar, a preparar os pratos, como também tinha que aprender a bordar e fazer todas as outras coisas da casa.” E a mãe, que era excelente
cozinheira, foi a grande escola para o trabalho de hoje. Em contrapartida, foi Lídia quem ensinou a mãe a desenhar o próprio nome – “não escrever, desenhar mesmo”, ela explica.

Depois vieram outros aprendizados. Veio a pedagogia, porque o pai marceneiro e a mãe dona de casa  também fizeram questão de que as filhas estudassem. E mais adiante, já em São Paulo e mudando o rumo profissional, vieram os cursos de culinária, a culinária vegetariana, a culinária adventista. Uma mulher atenta e empenhada, que está sempre aprendendo com a vida.

E encontro outras palavrinhas aprender na sua história. Aprendeu por experiência pessoal que às vezes doamos aqui e colhemos lá na frente sem nem esperar. Aprendeu que quando Petrúcio marca de chegar às duas horas ele está querendo dizer que pode chegar até as quatro. Damos muita risada nessa hora. Acho que ela vem aprendendo a rir. Entende que não casamos por amor, mas que aprendemos a amar.

Enfrentando os desafios da vida, esta mulher aprendiz e mestre me parece casada com sua missão de preparar o alimento. Faz isso com o amor de quem ensina e aprende constantemente. E o alimento preparado com este amor alimenta muito mais do que o corpo.

Quando terminamos de conversar, Lídia está preocupada se a “entrevista” ficou boa. Acha que não me deu atenção o bastante, pergunta se o que ela contou é suficiente para mim. Não sei se ela ficará tranquila, mas digo que sim, que estou satisfeita, que tenho bastante material.

Difícil explicar quando a alma também está alimentada. Naquele domingo de feira, de sol, de conversa no banco de dormente com a Lídia dos pães, a minha estava.


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Iana Ferreira
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